sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 3a. Atitude: Habilidades do Relacionamento

       "Habilidades do relacionamento. Aqueles que mantem uma relação saudável com o cônjuge ou com outras pessoas importantes em sua vida demonstram a importância de manter relações afetivas verdadeiras."


       Robert Epstein comenta esta atitude: "Manter uma relação conturbada com o cônjuge pode ser muito prejudicial; é importante que os pequenos presenciem gestos de respeito, perdão, cuidado e carinho". Cito novamente aqui a sábia frase de Aurélio Agostinho (Sto. Agostinho): "a palavra convence, mas o exemplo arrasta". Não adianta muito pregarmos respeito, perdão, carinho, cuidado, se nosso comportamento mostra o oposto. Nossas palavras poderão ser lembradas por nossos filhos, mas nossas ações do dia-a-dia é que eles absorverão de fato.


       No relacionamento entre pessoas em geral e, é claro, entre cônjuges, os conflitos podem ser inevitáveis e até legítimos. Como as pessoas envolvidas lidam com os conflitos é o que diferencia uma relação saudável de uma relação problemática. Uma classificação simples, prática e bem atual de como as pessoas lidam com os conflitos interpessoais foi desenvolvida por Lawrence, Weisbord e Charns na década de 70. Subjacente aos cinco modos básicos de se lidar com conflitos descritos pelos autores é a idéia de que nenhum dos modos é adequado a todas as ocasiões e pessoas. Cada um deles pode ser eficaz, dependendo da situação, embora eu seja da opinião que, numa relação conjugal, alguns modos tendem a ser mais saudáveis do que outros:



Impor. Aquele que tem mais poder impõe a sua solução ao conflito. Em algumas situações, este modo de lidar com um conflito de opiniões pode ser o mais saudável. Desde que não seja a 1a. opção (a não ser numa situação perigosa e urgente), mas quando outros modos já fracassaram. Contudo, na relação marido-mulher, o uso freqüente da imposição tanto pelo homem, como pela mulher tende a ser desastroso... Se no momento parece funcionar, poderá ter conseqüências ruins mais tarde e ser fonte de mais conflitos, num círculo vicioso que degrada cada vez mais o relacionamento, caso não seja quebrado.


       Amaciar. As pessoas envolvidas fingem que não há conflito ou minimizam sua importância. Este modo pode ser saudável em algumas situações. Alguns conflitos de opiniões são, de fato, falsos conflitos. Podem surgir, por exemplo, porque um dos cônjuges está irritado, ansioso, frustrado ou com alguma dor física e quer (conscientemente ou não) provocar uma briga para descarregar suas tensões. Nesses casos, o mais saudável para ambos pode ser fazer o oposto do que o outro espera, ou seja, não entrar no "jogo de cartas marcadas" no qual ambos perderão, vença quem "vencer". 
       Exemplos de  fazer o oposto do que é esperado podem ser: uma autocrítica bem humorada; um elogio sincero ao cônjuge; ouvi-lo(a) calmamente sem contestar, mas manifestando concordância com o que considera legítimo nas colocações dele ou dela; fazer algo que o(a) distraia da questão; enfim, há várias maneiras de se "amaciar" um conflito. Entretanto, o uso demasiado deste modo pode também ser desastroso, porque evita que o casal encare de frente alguns problemas que deveriam ser admitidos como tais e resolvidos explicitamente, e não escamoteados, para que a relação da família como um todo evolua saudavelmente.
       
       Evitar. Evitar situações nas quais o conflito possa surgir. Exemplos: evitar tocar em assuntos que já se sabe ser origens de discussões improdutivas; ou, quando por necessidade, tocar nesses assuntos, utilizar de muita diplomacia; omitir informações ou opiniões que possam provocar discussões; evitar comportamentos que possam levar a conflitos; evitar responder às provocações do cônjuge. Uma boa técnica para evitar responder às provocações é a da "água da paz" do Chico (vejam a postagem "A Água da Paz - uma maneira eficaz de evitar discussões improdutivas", em http://novoaprendendoeensinando.blogspot.com/2010/12/agua-da-paz-uma-maneira-eficaz-de.html). 
       Embora o modo "evitar" seja útil e saudável em muitas ocasiões, se usado demasiadamente tende a levar o casal a deixar de lado questões que deveriam ser tratadas clara e diretamente, para que a relação se mantenha saudável. O hábito de frequentemente evitar ou amaciar conflitos pode fazer com que diferenças cresçam e "fermentem" na sombra do relacionamento, podendo explodir em momentos inesperados, levar a depressões, ou a sintomas físicos de origem emocional, chamados de somatoformes (dores crônicas de cabeça, dores generalizadas no corpo, alguns tipos de cardiopatias e de doenças no sistema digestivo, entre outras). Por outro lado, conflitos não resolvidos e não tratados entre os pais podem atingir os filhos de duas formas: 
       - diretamente, por exemplo, quando um dos pais "descarrega" a tensão do conflito reprimido sobre os filhos, explodindo "sem razão";
       - indiretamente, quando um dos pais (ou ambos) fazem ataques velados ao outro (o que chamamos em psicologia de comportamentos passivo-agressivos), por meio de indiretas, comentários irônicos ou até sarcásticos, ou freqüentes expressões faciais de enfado, pouco caso, desprezo, desânimo, tristeza. As crianças, mesmo muito pequenas, captam o tom ou as atitudes passivo-agressivas ou de desânimo e aprendem a se comportar da mesma maneira, quando tais comportamentos nos pais são habituais.


       Barganhar. Neste modo, as causas reais do problema não são enfocadas, mas busca-se um modus vivendi, isto é, uma acomodação na disputa para permitir a vida em conjunto. Para algumas questões e circunstâncias, este modo pode ser saudável, mas não para todas as questões e situações. A vantagem é que o conflito foi admitido e tentou-se fazer algo a respeito. A solução pode durar, porém as causas não desapareceram, e dependendo de quão importante é a questão para o casal ou venha se tornar mais tarde, o conflito voltará e suas causas precisarão ser encaradas e resolvidas de alguma maneira...


       Confrontar. Na cultura brasileira este termo usado pelos autores é agressivo, mas no contexto cultural em que foi usado tem o sentido de "abrir o jogo", "colocar todas as cartas na mesa", isto é, abrir todas as informações sobre a questão que está perturbando uma ou ambas as partes. Isto inclui não apenas os fatos, mas também os sentimentos que estes têm despertado. Contudo, o objetivo neste modo de lidar com conflitos não é a busca do culpado, mas sim enfocar as causas e se buscar uma solução que as elimine ou neutralize e que seja satisfatória para ambos. Nem sempre isto é fácil, em algumas situações e momentos pode até ser impraticável. Mas é o mais saudável para o casal e para os filhos, os quais, além de ganharem um ambiente familiar mais aberto e descontraído, também aprendem, com os pais que praticam com freqüência este modo, algo que os ajudará a lidar mais saudavelmente com conflitos em suas vidas.
       Este último modo parece ser a recomendação de Jesus quando ele diz: "se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente: se te ouvir terá ganho teu irmão" (Mt 18:15). Traduzindo para a linguagem da nossa época, entendo "repreender" no sentido de confrontar, como exposto acima. Mas, antes de confrontar seu cônjuge, é bom lembrar de fazer a autocrítica que Jesus enfatiza, para identificar sua própria responsabilidade no problema: "Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu?" (Mt 7:3).

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 9a. Atitude: Espiritualidade

       "Espiritualidade. Apoiar o desenvolvimento da religiosidade e a preservação da natureza, o respeito ao outro e às diferenças, evitando a disseminação de preconceitos e intolerância."

       Esta posição da espiritualidade em 9o. lugar, resultante da média dos rankins dos especialistas que participaram da pesquisa (veja postagem "10 Atitudes para criar filhos mais felizes - 1a. atitude: Amor e Carinho") foi questionada por Robert Epstein, que comenta:
       "Nossos especialistas mostraram tendência contrária às competências visando o desenvolvimento da espiritualidade. para eles, essa característica ocupou a posição mais baixa da lista e alguns até teceram comentários negativos espontaneamente sobre essa área. Apesar disso, os estudos sugerem que a educação religiosa ou espiritual faz bem às crianças."
       
Um dos grandes benefícios da religião ou espiritualidade é no aumento da resiliência daquele que a cultiva de coração. Mas, o que é resiliência e qual sua relação com a espiritualidade e especificamente com Espiritismo?

       Um trecho do famoso samba "Volta por Cima" do cientista e compositor brasileiro Paulo Vanzolini nos ajuda a entender este conceito:


       
"Reconhece a queda
 Mas não desanima,
 Levanta, sacode a poeira
 E dá a volta por cima."

       
Reconhecer a queda, mas não desanimar: levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Esta poderia ser uma definição popular do conceito psicológico de resiliência.

       Resiliência é a “habilidade de voltar rapidamente para o seu estado de saúde ou espírito depois de passar por doenças, dificuldades etc." (Longman Dictionary of Contemporany English - 1995). Em termos gerais, é a habilidade de superar crises e adversidades. (Na postagem INVICTUS, falo de Mandela, um grande exemplo de resiliência, e traduzo o poema "Invictus" que o inspirou e ajudou a se manter firme nos 27 anos de prisão).

       O que faz com que algumas pessoas tenham mais esta habilidade do que outras? Na busca desta resposta, George Antonovsky Bonnano* pesquisou sobreviventes de campos de concentração nazistas que foram capazes de se manter mentalmente saudáveis, a despeito de tudo o que viveram. Bonnano observou nestas pessoas três tipos de habilidades:
        
       1.    A habilidade de compreender os eventos vividos, e integrar essa compreensão à sua vida como um todo. Por exemplo, se a pessoa está passando por uma situação potencialmente traumática, como a vivência de ser prisioneiro num campo de concentração, passando fome, frio e maus tratos, caso veja este sofrimento como sem sentido, ocorrendo num mundo absurdo, cruel, sofrerá muito mais e terá maior dificuldade para superar essa vivência traumática. Se, entretanto, essa pessoa possuir uma visão de mundo (isto é, um conjunto de crenças religiosas, espirituais ou filosóficas) dentro do qual esse sofrimento adquira algum sentido, ela conseguirá superar esse trauma mais facilmente.
       2.    A habilidade de dar sentido emocional à vida (sentir que a vida tem significado) e perceber os problemas mais como desafios do que como cargas pesadas. Não basta apenas essa visão compreensiva do mundo, é importante que ela seja realmente sentida e vivida interiormente, só assim contribuirá para a criação de resiliência.
       3.    A habilidade de usar os recursos de que dispõe para lidar com os problemas da vida, ao invés de ficar na atitude de “eu não posso fazer nada porque não tenho dinheiro, ou não tenho amigos influentes, ou estudo, etc...” Ou seja, é importante que essa visão do mundo leve a pessoa a uma atitude ativa perante seu ambiente.
       
       Ao conjunto destas três habilidades que contribuem para a criação da resiliência, Bonnano deu o nome de senso de coerência.
       
       Será que o Espiritismo pode nos ajudar a adquirir este “senso de coerência”, sobre o qual escreve Bonnano, e assim desenvolvermos a capacidade de superar melhor as frustrações, crises e até calamidades a que todos poderemos eventualmente estar sujeitos? A resposta é Sim, pois a compreensão da Doutrina, sua vivência interior e prática, levam a uma atitude ativa que nos ajuda a superar as provas que enfrentamos, porque:

a)     À medida em que compreendemos cada vez mais profundamente, através da Doutrina Espírita:
- que somos espíritos imortais, “individualizações do princípio inteligente**, criados por Deus, assim como “todas as outras criaturas**;
- que através de reencarnações, “temos muitas existências** que visam o “melhoramento progressivo** de todos nós;
- e que isto se fundamenta “sobre a justiça de Deus**, cujas leis são perfeitas e eternas e embasam “a harmonia que regula o universo material e moral”**;
      
b)    À medida em que, além de compreendermos intelectualmente os ensinamentos da Doutrina Espírita, sentimo-los e os vivemos interiormente, através da prática da “lei de justiça, de amor e de caridade”** e do conhecimento de si mesmo** (reforma íntima), desenvolvemos a habilidade de “dar sentido emocional à vida, e perceber os problemas mais como desafios do que como cargas pesadas”.
       
c)     À medida em que, de fato, compreendemos e sentimos que a Doutrina Espírita não incentiva a passividade, mas sim a ação, a lei do trabalho e do progresso, pois “Deus assiste os que se ajudam a si mesmos, segundo a máxima: ‘ajuda-te e o céu te ajudará’, e não os que tudo esperam do socorro alheio, por um milagre, sem usarem as próprias faculdades, sem nada fazerem”**, desenvolvemos cada vez mais os recursos de que dispomos para lidarmos com os problemas da vida.


       Com a Doutrina Espírita, compreendemos também que, além do entendimento, da inteligência, da vontade e da capacidade de agir, Deus, na Sua infinita bondade, deu-nos outro recurso precioso: a possibilidade de orar. Assim, ao orarmos com confiança, poderemos receber de Deus, gradativamente em consonância com o ritmo do nosso caminhar, a coragem, a paciência e a resignação necessárias, bem como idéias úteis que nos serão transmitidas pelos Bons Espíritos***.
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* Pesquisa publicada em 2004, no American Psychologist, 59, 20-28, com o título “Loss, trauma, and human resilience: have we underestimated the human capacity to thrive after extremely aversive events?” Citada no artigo "Spirituality and Resilience in Trauma Victims" de Peres, J.F.P. et al, 2007 (Jornal of Religion and Health, 46: 343-350. www.springerlink.com).
** Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos: Filosofia espiritualista. (Respostas às questões 79, 81, 166 a 171, 616, 918, 919 e 919-a). Tradução de José Herculano Pires. 5a edição – São Paulo: FEESP, 1991.
*** Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. (Cap. XXVII – item 7).Tradução de José Herculano Pires. 14a edição – São Paulo: FEESP, 1998.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 2a. atitude: Administração do Estresse

"2. Administração do estresse. Praticar técnicas de relaxamento e esportes e investir na própria psicoterapia favorece a capacidade de entender melhor o que sentimos e as chances de cuidar bem de crianças."


Técnicas de relaxamento/meditação e esportes: fundamentais para tornar os pais e mães menos estressados e, portanto, melhores pais e mães! Camila Ferreira-Vorkapic, pesquisadora do Instituto de Psicologia da UFRJ, escreveu artigos na revista Mente Cérebro números 214 e 170, respectivamente sobre os benefícios da meditação e dos exercícios físicos.


No seu artigo "Meditação para Combater a Ansiedade", a autora informa que esta prática "(...) tem ensinado muitas pessoas a prestar atenção às emoções e ao próprio corpo e a lidar de forma mais saudável com o estresse; estudos mostram sua eficácia no controle de patologias como depressão, pânico e ansiedade". Comenta sobre os dois tipos de meditação que tem sido mais analisados: a "concentração" (basicamente a "meditação transcendental", popularizada pelos Beatles, e técnicas de relaxamento) e a "mindfulness", que tem sido traduzida como "atenção plena". 


Em razão de "sua abordagem bem definida, sistemática e centrada no paciente", a "atenção plena" tem sido cada vez mais utilizada em pesquisas e nas clínicas psicológica e psiquiátrica. Neste tipo de meditação, "o praticante exercita a 'observação desapegada': inicialmente focaliza a atenção na própria respiração até que esteja estabilizada. Deste ponto em diante, a pessoa é capaz de observar quaisquer eventos físicos ou mentais que possam surgir no campo da consciência. Estes eventos mudam de um momento para o outro e são observados com curiosidade - e nunca julgados ou avaliados. Essa maneira de estar presente e perceber o ambiente e a si mesmo ajuda o indivíduo a lidar com estresse, dor e doenças."


No artigo "Cérebro em Forma", Camila Ferreira-Vorkapic escreve que "os efeitos do exercício físico para a saúde têm sido amplamente estudados e reconhecidos. São fartamente documentadas alterações fisiológicas em pessoas que praticam atividades físicas com regularidade - como redução do nível de glicose no sangue, metabolização mais eficaz de gorduras, diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca de repouso. É notório também quanto a prática contribui para a diminuição da incidência de patologias como diabetes, infarto e acidente vascular cerebral. Décadas de estudos evidenciaram que o exercício físico tem também inegáveis efeitos ansiolíticos e antidepressivos, isto é, a prática de atividade física está significativamente relacionada á diminuição da ansiedade, depressão, estresse e ao aumento da autoestima."


Também "há fortes indícios de que o exercício físico favorece o aprimoramento da função cognitiva em razão da melhora na eficiência neuronal que, por sua vez, é possivelmente produto de um maior afluxo de sangue no cérebro - o que intensifica a atividade cerebral".


A estes artigos sobre meditação e atividades físicas esportivas somam-se inúmeros outros relatando pesquisas e casos clínicos que apontam no mesmo sentido.


É claro que estas diretrizes para os pais valem também para os filhos. Estimular neles o gosto pelo esporte sadio pode ajudá-los não apenas a se desenvolverem melhor fisicamente, mas também a fortalecerem a autodisciplina e a autoestima. 


Mesmo a meditação é algo que os filhos podem e devem aprender desde pequenos, por várias maneiras. A oração sincera - a conversa com Deus, com os Espíritos Superiores, com Jesus - é uma forma de meditação, que ajuda a criança ou o adolescente a concentrar e elevar seus pensamentos e sentimentos. Assim como o contato com a Natureza e consigo mesmos, aprendendo a identificar e equilibrar suas emoções e pensamentos. Isto é cada vez mais necessário para as crianças e adolescentes de hoje, cada vez mais dispersas em razão dos jogos de computador, celulares, facebook, msn, orkut etc. Contudo, os pais só poderão ensinar seus filhos a fazerem isto se souberem eles mesmos fazer. E se praticarem. Como disse Aurélio Agostinho de Hipona (Sto. Agostinho), "a palavra convence, mas o exemplo arrasta". E este é um princípio fundamental na educação de filhos.


Às vezes, além das atividades esportivas e da meditação, é necessário algo mais: a psicoterapia. Certa vez, um jovem executivo procurou-me dizendo que queria se submeter à psicoterapia para se tornar uma pessoa melhor e, assim, um pai melhor para a sua primeira filha que estava para nascer.


Ajudando uma pessoa a resolver seus conflitos emocionais, a superar seus bloqueios e medos, a melhorar sua autoestima e autoconfiança, sua competência emocional e interpessoal, a psicoterapia pode ajudá-la a se tornar um melhor pai ou mãe. E as "ferramentas cognitivas" que aprenderá a ajudarão não apenas a solucionar futuros problemas emocionais, após a conclusão do processo psicoterápico, mas também a ajudar seus filhos a as aprender e utilizar, à medida que crescerem.


O cartoon acima lembra-nos que o humor, aprender a rir de si mesmo, é uma forma eficaz de terapia e um bom indício de saúde mental.


Veja, também, as postagens Saúde e Felicidade - Parte 1 e Parte 2.

10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 1a. atitude: Amor e Carinho

Na revista "Mente Cérebro" de Dezembro deste ano (ano XVIII, no. 215, publicação da Scientific American e Duetto Editorial), Robert Epstein, prof. de psicologia e pesquisador da Universidade Havard e editor-colaborador da Scientific American Mind, apresenta "10 competências que produzem bons resultados na educação dos filhos". Estes dez tipos de competência resultaram de uma pesquisa que realizou em conjunto com Shannon L. Fox, da Universidade da Califórnia em San Diego, analisando dados obtidos com cerca de 2 mil pais e avaliações (independentes uma das outras) de 11 especialistas na criação de filhos.


Reproduzo e comento a seguir cada uma dessas competências.


"1. Amor e carinho. É indispensável apoiar e aceitar os filhos, entendo que são pessoas com idéias e gostos próprios, e respeitar essas diferenças, demonstrando afeto e usufruindo dos períodos passados juntos". Esta primeira atitude parece óbvia, praticamente quase todos os pais atuais a endossariam, na teoria, mas na prática a coisa é bem diferente. Poucos, muito poucos conseguem realmente colocar em prática isto no seu cotidiano, com equilíbrio.


Da minha experiência, há duas armadilhas nas quais os pais tendem a cair ao colocar esta 1a. atitude em prática. Uma é do discurso desligado da prática, ou seja, fala-se uma coisa e se faz o seu oposto. Alguns pais podem ter lido ou ouvido sobre tal atitude, acharam bonito, moderno, mas nunca refletiram mais profundamente a respeito. Na hora de aplicar na prática, "sob fogo" (quem cria ou criou filhos sabe o que estou dizendo com esta expressão), podem predominar as tendências básicas de imposição autoritária, sem levar em consideração a individualidade do filho. 


Os filhos não são uma tabula rasa, um quadro em branco onde os pais vão escrever o que quiserem. São Espíritos imortais, com milhares de anos de idade, tendo passado por inúmeras existências e experiências, trazendo, para a existência atual, como resultado destas experiências, tendências tanto  positivas a serem desenvolvidas, como negativas a serem corrigidas. Estímulos para o desenvolvimento das tendências positivas e correção das negativas é, a meu ver, uma das fundamentais expressões concretas do amor e carinho na prática.


A outra armadilha é o laissez-faire, o deixar fazer, quase sem limites, como consequência de uma concepção errônea de amor. 



A grande maioria de nós frequentemente interpretamos o “amar o próximo como a si mesmo” de forma inadequada, pois ainda não aprendemos amar equilibradamente nós mesmos.

Muitas vezes, achamos que estamos nos amando ao darmos vazão, sem peias, à nossa preguiça, gula, ganância, luxúria, raiva, inveja, e/ou vaidade. Se partirmos desta concepção errônea de amor próprio, amar o próximo como nós mesmos seria ser complacente com tais desequilíbrios em parentes, amigos e colegas de trabalho, esporte e outras atividades, ou mesmo os incentivar a tal.

E não é isto que parece estar ocorrendo com muitos pais em relação a seus filhos? Sendo excessivamente complacentes com seus desmandos, numa falsa concepção de amor, criam as condições propícias para as conseqüências que vemos nas dificuldades imensas e até mesmo sofrimentos que a maioria dos professores passa com seus alunos nas salas de aula, ou que vemos em freqüentes manchetes do noticiário policial envolvendo jovens. É claro que as causas destes dois exemplos são múltiplas, porém acredito, baseado em fartas evidencias de pesquisas e na minha própria vivencia como filho, pai, aluno, professor e psicoterapeuta, que uma das causas mais relevantes é esta falsa concepção do amor. (A foto ao lado é do ator Justin Bieber representando um adolescente problemático).

A prática eficaz do amor e carinho é, portanto, o equilíbrio (simples de expor, mas difícil de praticar, porém alcançável pelos pais de boa vontade) entre as duas armadilhas: (1) a de pregar respeito, amor e carinho, mas praticar autoritarismo e desrespeito pela individualidade do filho; e  (2) a de praticar um amor e carinho laissez-faire, excessivamente complacente, sem limites.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O PERDÃO QUE LIBERTA

Só sentimos a necessidade de perdoar quando nos sentimos ofendidos. Por exemplo, se uma criancinha pisa sem querer no nosso pé e não pede desculpas, não nos sentimos ofendidos. Mas, se um adulto faz o mesmo sem se desculpar, podemos nos sentir desrespeitados e daí viria a necessidade de perdoar. E como sabemos se estamos necessitando perdoar alguém? Caso fiquemos “ruminando” o caso, isto é, quando a pessoa e o acontecimento voltam-nos constantemente à mente, acompanhados de algum nível de raiva (explícita ou disfarçada de mágoa, ressentimento ou indignação).

Portanto, o grau em que nos sentimos ofendidos por alguém é diretamente proporcional ao grau de responsabilidade (e portanto consciência) que atribuímos a este alguém pelo ato que nos atingiu direta ou indiretamente. Por exemplo, se uma pessoa que sabemos estar com problemas de memória (por algum transtorno orgânico ou emocional) esquece-se de algum compromisso conosco, ou de nos dar um recado muito importante e urgente, podemos não nos sentir indignados com seu comportamento e, assim, a necessidade de perdoar não se coloca. Mas, se o mesmo ocorre com outra pessoa que sabemos não estar com transtornos de memória, poderemos pensar que foi “pouco caso” da parte dela e, conseqüentemente, indignarmo-nos com ela.

À medida em que nosso conhecimento espiritual e psicológico desenvolve-se  e o colocamos em prática concretamente na nossa vida, cada vez menos sentimos necessidade de perdoar e, quando esta ocorre, o perdão fica mais fácil.

Um gatilho importante da mágoa ou do ressentimento é nos sentirmos injustiçados (desrespeitados, desprezados ou traídos de alguma forma). Quando alguém se sente injustiçado, seu organismo libera um derivado de testosterona chamado diidrotestoterona (DHT). Portanto, quanto mais nos sentimos injustiçados (ou achamos que alguém afetivamente ligado a nós foi injustiçado), mais DHT é liberado no nosso organismo. Este hormônio é uma espécie de testosterona “de alta octanagem”, uma “super testosterona” que aumenta o desejo de embate físico (impulso para discutir e até brigar fisicamente) em situações sociais desafiadoras.

O mecanismo que desencadeia a liberação do DHT é um produto da evolução biológica da espécie humana. No passado biológica da nossa espécie, quando um membro do grupo (família, tribo ou clã) traía seus companheiros, não fazia sua parte do trabalho grupal ou tentava se apoderar da mulher ou dos alimentos dos companheiros, uma reação enérgica e mesmo violenta da parte dos prejudicados poderia ser vantajosa evolutivamente não apenas para os indivíduos atingidos, mas para o grupo como um todo. Eles estariam protegendo sua própria sobrevivência, pois as chances de um indivíduo com poucos alimentos ou sem família sobreviver era menor, afetando também as chances de sobrevivência do grupo, pois a falta de colaboração ou a traição de um dos membros diminuía essas chances num meio ambiente com muitos fatores hostis – animais predadores, outras tribos hostis, fatores climáticos extremos etc.

Entretanto, como Espíritos imortais, somos mais do que os instintos do nosso corpo. Não devemos ignorá-los, pois foram e são importantes para a sobrevivência, mas não podemos ser escravos deles. À medida que evoluímos, podemos e devemos sublimar nossos instintos, redirecionando-os para nos impulsionar em direção a objetivos que contribuam para a nossa evolução e a de nossos próximos.

Disto decorre que podemos aprender a evitar que nossos instintos atuem no automático, em relação a nos sentir ofendidos, injustiçados ou menosprezados. Como o que nos faz sentir ofendidos não é o ato em si de alguém, mas nossa interpretação deste ato (o grau de responsabilidade / consciência que atribuímos à pessoa ou pessoas que praticaram o ato em questão, como comentado acima) e esta interpretação é muito influenciada pelas crenças que temos sobre nós mesmos e sobre as pessoas em geral, então, controlando estas crenças, podemos minimizar e até eliminar o sentimento de termos sido ofendidos.

Quanto mais nos sentimos superiores, “merecedores” de considerações especiais dos outros, mais facilmente nos sentimos ofendidos, pois as pessoas em geral não são obrigadas a nos prestar as homenagens que nossa fantasia considera devidas. Portanto, nossas crenças pessoais que incentivam nossas vaidades, tornam-nos presas mais fáceis da mágoa e do ressentimento. À medida em que colocamos tais crenças “em cheque”, confrontando-as com a realidade por meio dos nossos conhecimentos espirituais e psicológicos, tais crenças se enfraquecem ou se desmancham e, no lugar delas, podemos desenvolver novas e melhores crenças, aquelas que nos põem mais em contato com nosso próximo, de uma maneira mais saudável e igualitária.

A compreensão da lei de ação e reação e suas conseqüências no carma, ajudam-nos a compreender e tolerar melhor determinadas “agressões”, porque nos leva a tomar consciência das vezes que já agredimos voluntária ou involuntariamente algumas pessoas. Mesmo que, na época, fôssemos relativamente inconscientes das repercussões mais amplas desses atos, tanto para nós mesmos, como para o agredido e outras pessoas a ele ligadas. Isto nesta vida. E, em vidas anteriores, podemos ter sido muito piores... Assim, quando somos agredidos, devemos tentar compreender como uma lição a aprender.

Compreender a relativa inconsciência daquele que supostamente nos agrediu não significa que devemos ser coniventes com o seu erro (sobre não ser conivente com o erro e ações a tomar em relação àquele que errou, comentarei numa próxima postagem*), mas isto pode nos ajudar a não ficarmos magoados ou ressentidos ou, quando isto ocorre, facilita-nos perdoar.

Assim, cultivar crenças mais igualitárias e tolerantes ajuda-nos a não nos ofender facilmente e, quando isto ocorre, a perdoar com mais facilidade. E isto é libertador...
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* Reproduzo abaixo o último parágrafo da postagem "10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 3a. Atitude: Habilidades do Relacionamento", de 31/12/2010:
Este último modo parece ser a recomendação de Jesus quando ele diz: "se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente: se te ouvir terá ganho teu irmão" (Mt 18:15). Traduzindo para a linguagem da nossa época, entendo "repreender" no sentido de confrontar, como exposto acima. Mas, antes de confrontar seu cônjuge, é bom lembrar de fazer a autocrítica que Jesus enfatiza, para identificar sua própria responsabilidade no problema: "Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu?" (Mt 7:3).

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

REFLEXÕES SOBRE O PERDÃO

Na parábola do credor incompassivo (Mt 18:23-35), Jesus exemplifica ao povo o trecho da oração do “Pão Nosso” (Mt 7:9-13) que ele ensinou aos discípulos - perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aos que nos ofenderam- e lhes explicou em detalhes (Mt 7:14-15): “Porque, se perdoares aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará”.

Mas, por que “se perdoares aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará”? A fé raciocinada leva-me a não aceitar uma afirmação somente porque veio de (ou é atribuída a) uma alta autoridade moral e espiritual. O fato de prover de uma tal autoridade, leva-me a considerar tal afirmativa com um grande respeito, mas não a aceitá-la automaticamente caso não a entenda adequadamente, isto é, caso ainda não faça sentido diante da minha experiência de vida, meus conhecimentos e minha razão.

Uma primeira reflexão sobre esta afirmativa é sobre o Pai celeste. Penso que ao transmitir sua mensagem ao povo da época (e talvez mesmo para a maioria das pessoas ainda hoje), para que o compreendessem melhor, Jesus utilizou uma imagem antropomorfa de Deus, a imagem de um pai. É claro que Deus, como abrange tudo, pode também ser visto como um pai, falando esta imagem mais de perto ao sentimento popular (e também para mim). Porém, na resposta à 1a questão feita por Kardec (“O que é Deus?”) aos espíritos que consultou para escrever o Livro dos Espíritos, estes lhes disseram que “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”. Esta resposta faz um sentido profundo para minha razão, experiência de vida e conhecimentos.

Portanto, tenho que considerar Deus não como uma figura humana que irá me castigar ou perdoar, mas como o Princípio de tudo que existe, existiu e existirá, o que inclui as leis do Universo em todos seus níveis e dimensões. Creio, também, e isto faz muito sentido para mim, que Deus é infinitamente bom, que ama a Sua criação infinitamente. Ligando isto à Sua onisciência (Deus conhece totalmente nossas fragilidades, qualidades, intenções e potenciais), concluo que não tem sentido (num nível mais profundo, não antropomórfico) falar do perdão de Deus. Isto porque só perdoa quem se sentiu ofendido e é inimaginável que qualquer coisa que façamos possa ofender a Deus, “a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.

Então, se não é Deus que nos perdoa, quem ou o que nos perdoa? Penso que uma resposta é: nós mesmos nos perdoamos ou condenamos, ou seja, nossa consciência nos condena ou perdoa. Isto porque, faz todo sentido para mim (e por esta razão creio nele) o ensinamento bíblico de que somos feitos à imagem e semelhança de Deus e que, por esta razão, temos gravado em nosso espírito a Lei Divina que nos impulsiona a evoluirmos em direção ao Bem Supremo, ao Amor Universal. Comparando nossos pensamentos e atos a este Padrão Divino em nós, vem-nos a autocondenação e, após a compreensão e a reparação, o autoperdão. E como sabemos que nossa consciência realmente nos perdoou? Através da paz interior, da consciência tranqüila que nos indica estarmos em consonância com a Lei Divina em nós.

Mas, porque Jesus diz que temos que perdoar ao próximo para sermos perdoados? Penso que a rigidez em perdoar ao próximo volta-se contra nós mesmos, tirando-nos a paz interior, afastando-nos, assim, de Deus. A raiva, a mágoa, mantêm-nos presos àquele que acreditamos tenha nos ofendido. Realimentando a raiva, revivemos constantemente a situação na qual cremos termos sido ofendidos e isto reaviva ainda mais esta raiva, num círculo vicioso que nos intoxica mais e mais. Neste sentido, vale lembrar a frase atribuída à Shakespeare - “guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”.

A raiva se mantém caso a realimentemos, porque sua tendência natural, como de outras emoções, é se dissipar com o tempo. Nós é que a mantemos viva, como nos lembra o caso de Felipe II (382 - 336 a.C.), rei da Macedônia, pai de Alexandre Magno. Felipe, por várias razões, ficou com muita raiva dos gregos e queria se vingar deles. Cônscio, talvez, de que sua raiva, deixada por si só, dissiparia-se com o tempo, chamou um dos seus servos de confiança e lhe ordenou: “lembre-me, todos os dias, o ódio que tenho dos gregos”).

Irritamo-nos ou nos magoamos quando cremos que fomos ofendidos. Portanto, se alguém nos diz ou nos faz algo, mas isto não nos toca, então não nos encolerizamos.


A raiva faz parte de um sistema de sobrevivência que herdamos de nosso passado mais primitivo e, alguns estímulos instintivamente podem nos levar à esta emoção. Mas, o impacto destes estímulos sobre nós pode ser minimizado ou intensificado por nossas crenças sobre nós mesmos, sobre as pessoas em geral e sobre o mundo. Por exemplo, se acreditamos que somos superiores (em termos de status intelectual, moral ou até espiritual) ao nosso “oponente” e que nossa “superioridade” implica que este deve nos tratar com deferência, e esta pessoa não nos trata desta forma, então nos encolerizamos. Em outras palavras, se o que o outro nos faz ou diz conflita com nossa vaidade, perdemos o equilíbrio.


Um outro exemplo: se julgamos (ou acreditamos) que a outra pessoa (ou pessoas) nos fala ou faz é muito injusto, que não deveríamos ser tratados desta forma (porque achamos que não provocamos tal comportamento, ou que o mesmo é cruel, irracional, que a pessoa só quer nos humilhar etc.) e, além disto, acreditamos também, p.ex., que não devemos “levar desaforo para casa”, então, provavelmente iremos nos encolerizar e manifestar esta cólera com palavras ou atos agressivos. Caso não possamos “dar vazão”, no momento, a esta cólera (porque achamos que o “oponente” é mais forte ou poderoso, ou forças maiores na situação nos impedem), ficamos magoados, alimentando, muitas vezes, pensamentos de vingança, atitude sobre a qual nos adverte a frase atribuída a Shakespeare.

Parece, então, que quando pensamos ter sido ofendidos, esta é a nossa percepção da situação. Se nossas crenças de como devemos ser tratados forem muito rígidas e nossa vaidade suficientemente grande, então iremos nos encolerizar e alimentar ressentimentos com freqüência, envenenando-nos e aos nossos relacionamentos.

Uma visão mais ampla, dada pelo Espiritismo, de nós mesmos como espíritos imortais em evolução através de inumeráveis existências, da Bondade Infinita de Deus, da Semente Divina em cada um de nós, leva-nos gradativamente, à medida que realmente absorvemos esta visão mais ampla, incorporando-a em nossa vida, a encarar de forma mais tranqüila e tolerante as supostas “ofensas” de nossos próximos (e, também, de ficarmos mais atentos para não os ofender).

Por vezes, nossos próximos mais próximos (na família, no trabalho) podem ser a fonte mais freqüente das pretensas “ofensas” que recebemos. Penso que eles funcionam para nós como os pequenos seixos que Demóstenes (384-322 a.C.) colocava na boca para dificultar mais os treinos que fazia, lendo em voz alta ou discursando, como forma radical para superar sua má dicção e sua gagueira. Tornando mais difícil para si mesmo o que já era difícil (falar de forma fluente, com clara dicção), quando conseguiu falar de forma razoavelmente fluente e clara com os seixos na boca, ao tira-los sua fluência e dicção ficaram ótimas e ele se tornou um dos maiores oradores da História da antiga Grécia. Assim, estes próximos que achamos que nos atormentam, são, de fato, nossos aliados, impulsionando a nossa evolução.


Veja, também, O Perdão que Liberta, de 10/12/2010.

sábado, 27 de novembro de 2010

USANDO O LIVRE-ARBÍTRIO A NOSSO FAVOR

Antes, o que é livre-arbítrio? A palavra “arbítrio” denota julgamento, decisão. Sua junção com “livre” indica a capacidade de livre julgamento, livre decisão sobre o que fazer ou não nas várias circunstâncias da vida. Mas, temos de fato “livre-arbítrio”? Alguns filósofos e teólogos respeitáveis, ao longo da História (desde a Antiguidade), discordaram disto. Dentre eles, Espinosa, no séc. XVII, cuja obra influenciou significativamente seus contemporâneos, e algumas de suas idéias influenciam ainda hoje discussões filosóficas e até científicas (vide, p. ex., o livro “Em Busca de Espinosa”, do neurocientista Antônio Damásio, chefe do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa, professor do Instituto Salk de Estudos Biológicos, em La Jolla, Califórnia, e autor do premiado livro “O Mistério da Consciência”, entre outros).

O argumento destes filósofos e teólogos baseia-se em dois dos atributos de Deus: onisciência e onipotência. Um resumo deste argumento poderia ser: “se Deus é onisciente, deve ter presciência de nossas escolhas, e, se é onipotente, nossas ações devem ter sido determinadas junto com o restante da criação” (Filosofia / David Papineau, pp 63-67. São Paulo: Publifolha, 2009). Em outras palavras, a onisciência e a onipotência de Deus implica que tudo o que acorreu, ocorre e ocorrerá no Universo (e, portanto, conosco) está pré-determinado. Negar isto seria, para esses pensadores, negar que Deus tudo sabe e tudo pode. Portanto, não teríamos qualquer livre-arbítrio real, apenas uma ilusão de livre-arbítrio.

Este argumento contra o livre-arbítrio parece forte e logicamente consistente. Ao longo de História, muitos tentaram derrubá-lo. Há, por outro lado, várias fortes evidências de que temos um real, embora relativo, livre-arbítrio (veja-se, como exemplos neste sentido, os resultados de experimentos descritos em "O Cérebro, a Mente e as Experiências Transcedentes", neste blog). Além disso, os argumentos que assumem a natureza dual de mente e corpo são muito fortes e consistentes - como, p. ex., dentre os antigos, os de Aurélio Agostinho de Hipona (Sto. Agostinho) e Tomás de Aquino; dentre os primeiros modernos, Descartes (de uma geração anterior à Espinosa, faleceu quando este tinha cerca de 18 anos) e, posteriormente, Kant, com sua profunda argumentação que faz, na Crítica da Razão Pura, sobre a causalidade segundo as leis da natureza versus a causalidade pela liberdade. Entre os grandes filósofos contemporâneos (séc. XX), destacaria Karl R. Popper (1902-1994), um digno sucessor do racionalismo crítico kantiano, cujas reflexões tem fornecido importantes subsídios à metodologia científica. Uma outra linha de argumentação é a conhecida como compatibilista, porque, sem negar o determinismo (aqui não mais o teológico, mas o materialista), busca compatibilizá-lo com o livre-arbítrio. Exemplos desta linha são o filósofo inglês A. J. Ayer (1910 – 1989) e o americano Daniel Dennet.

A partir de meus estudos e da minha experiência de vida, cheguei a uma solução que é para mim satisfatória deste problema. Valho-me de parte da idéia do “elã vital” do filósofo Henri Bérgson (1859-1941): uma força que é inerente à Vida e que a leva a perseguir todas as soluções possíveis. Inspiro-me, além disto, na teoria matemática do caos, um importante campo de estudos que tem se desenvolvido desde os estudos pioneiros dos matemáticos e físicos Henry Poincaré e Jacques Hadamart e que, atualmente, tem tido importantes impactos na Física, na Ecologia e em outras Ciências, bem como na Filosofia. Esta teoria analisa sistemas complexos e dinâmicos e mostra como, em tais sistemas, pequenas mudanças iniciais podem levar a alterações imprevisíveis. Ou seja, a natureza determinística de tais sistemas não os torna previsíveis. Isto é conhecido popularmente entre os estudiosos deste campo como “efeito borboleta”. E me remeto também às bem embasadas extrapolações de eminentes cosmólogos sobre múltiplos universos, a partir de recentes teorias no campo da Física Quântica e da Gravidade (vide, p.ex., o artigo “As Origens Cósmicas da Seta do Tempo” do premiado pesquisador sênior em física do Califórnia Institute of Tecnology (Caltech), publicado na Scientific American Brasil, ano 6, no 74, pp 28-35).
 
Tendo tudo isto em vista e a partir dos meus estudos e vivência como espírita, acredito profundamente que temos livre-arbítrio. Não absoluto, mas relativo ao nosso grau de evolução. À medida que evoluímos, nosso grau de liberdade aumenta: evolui nosso conhecimento de nós mesmos, dos outros, do Universo físico e espiritual, nossa capacidade de tomar decisões e de agir em consonância com essas decisões.

Com base nas considerações acima, concluo e acredito (e busco fazer minha vida coerente com estas conclusões):
  • Que nosso futuro não está predeterminado, mas que há inúmeros futuros possíveis para cada um de nós, num Universo de inumeráveis possibilidades, e que isto não nega a onisciência e a onipotência de Deus, mas as reafirma num nível mais alto. 
  • Que cada decisão que tomamos, pequena ou grande, contribui, em graus variados, para criar um futuro melhor ou pior para nós (do ponto de vista do Universo como um todo, o que muitas vezes não equivale ao nosso ponto de vista limitado como seres humanos em evolução).
  • Que as conseqüências do que pensamos e fazemos revelam-se para nós apenas em parte de imediato, pois são como as ondas num lago que provocamos ao atirar uma pedra e que, ao encontrar determinados “obstáculos” próximos ou distantes, voltam como ecos ao ponto de partida, aumentadas, minimizadas, e/ou qualitativamente modificadas.
  • Que essas conseqüências sempre têm uma lógica profunda, embora possamos não ter ainda condições de a entender completamente.
  • Que essas conseqüências vêm sempre para nosso bem, porque a essência do Universo é de Amor, pois imaginar que Deus não ama infinitamente Sua Criação leva a uma contradição, um absurdo lógico.
  • Que a idéia de termos apenas uma única existência na Terra é contraditório com o Amor Infinito de Deus por nós, com as possibilidades infinitas de evolução.
  • Que a consciência disto tudo nos ajuda a suportar melhor as dificuldades, problemas e fracassos grandes e pequenos e aprender com eles, ao mesmo tempo em que nos dá uma perspectiva mais equilibrada perante os sucessos e conquistas.
  • E que precisamos nos lembrar sempre destas coisas para não nos alienarmos da herança divina que, acredito, é intrínseca a nós e é muito mais do que o elã vital do Bérgson, mas significa a Luz Divina em nós, a qual vai se desvelando à medida que evoluímos.
  • Que a prática do amor é a base desta evolução.
  • Que tal prática significa aprender a amar o próximo como a nós mesmos, ou seja, aprender a nos amar de verdade, de maneira equilibrada e saudável (veja, neste sentido, 10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 1a. atitude: Amor e Carinho, neste blog) e aprender a amar o próximo da mesma forma, num círculo virtuoso no qual nosso amor próprio equilibrado aumenta nossa capacidade de amar o próximo e este amor ao próximo, quando concretizado em pensamento e ação, repercute positivamente no nosso auto-amor (auto-estima) e assim por diante.
  • Que este círculo virtuoso não é automático, mas demanda um esforço da vontade consciente para o iniciar, manter e desenvolver.
  • E, finalmente, que isto é o uso do livre-arbítrio a nosso favor.

Atualização de Cultura, por Deolindo Amorim

Este lúcido texto do jornalista, escritor e conferencista espírita brasileiro,   Deolindo Amorim (1906 - 1984), publicado no Anuário Espír...