domingo, 24 de julho de 2011

O Que É Ciência - parte 2

O processo dedutivo é passo fundamental para a formulação adequada e corroboração/refutação de uma teoria científica. Popper especifica quatro passos para este processo:


O primeiro é formal, um teste da consistência interna do sistema teórico para verificar se este contem quaisquer contradições.


O segundo passo é semi-formal, determinar os axiomas básicos da teoria, distinguindo seus elementos empíricos (baseados em observações) dos elementos puramente lógicos. Ao dar este passo, o cientista explicita a estrutura lógica da teoria. Falhar em fazer isto pode levar a erros básicos – o cientista acaba formulando as questões erradas e pesquisando dados empíricos que não são utilizáveis. Muitas teorias científicas contêm elementos analíticos (isto é, elementos lógicos, premissas a priori) e elementos sintéticos (afirmativas fundamentadas na observação de fatos empíricos), e é necessário estruturá-las de forma axiomática para distinguir claramente os elementos lógicos dos empíricos.


O terceiro passo é a comparação da nova teoria com as existentes para determinar se ela constitui ou não um avanço sobre estas. Se não constitui um avanço, não será adotada. Se, por outro lado, sua capacidade de explicar fenômenos conhecidos é comparável, com vantagem, às teorias existentes e, além disto, explica fenômenos até então não explicados, ou resolve alguns problemas até então insolúveis, considera-se que esta nova teoria constitui um avanço sobre as existentes, e será adotada. Portanto, a ciência envolve progresso teórico.


Entretanto, Popper enfatiza que determinamos se uma teoria é melhor do que outra testando-as dedutivamente (isto é, deduzindo conclusões de ambas que possam ser testadas na prática), ao invés de indutivamente. Por esta razão, ele argumenta que uma teoria é julgada melhor do que outra (desde que não seja refutada pela experimentação e pela aplicação prática) se tiver um maior conteúdo empírico e, portanto, maior poder preditivo (poder de prever fenômenos) do que sua rival. A ilustração clássica disto em física foi a substituição da teoria da gravitação universal de Newton pela teoria da relatividade de Einstein. Isto elucida a natureza da ciência como Popper a vê: em praticamente todas as ocasiões haverá várias teorias ou conjecturas conflitantes, algumas das quais com melhor capacidade explicativa do que outras. A que melhor explicar será, conseqüentemente, adotada provisoriamente. Em resumo, para Popper, qualquer teoria X é melhor do que uma “rival” Y, se X tiver maior conteúdo empírico e, portanto, maior poder preditivo do que Y.

O quarto e último passo é o teste da teoria pela aplicação empírica das conclusões deduzidas dela. Se estas conclusões se mostrarem verdadeiras, a teoria é corroborada (mas não comprovada). Se estas conclusões se mostrarem falsas, então isto é um sinal de que a teoria não pode estar completamente correta (em termos lógicos a teoria é refutada), e o cientista começa sua busca por uma teoria melhor. Entretanto, ele não abandona a presente teoria até que tenha uma melhor para substituí-la. Mais precisamente, o método de teste de teoria é o seguinte: certas conclusões são deduzidas da nova teoria – estas conclusões são predições e de especial interesse são aquelas predições “arriscadas” (no sentido de serem intuitivamente implausíveis ou surpreendentemente novas) e testáveis experimentalmente.

Dentre estas últimas conclusões o cientista seleciona em seguida aquelas que não são dedutíveis da teoria atualmente mais aceita. De especial interesse são as conclusões que contradizem a atual teoria. Ele então busca decidir comparando estas e as outras conclusões com os resultados das aplicações práticas e das experimentações. Se as novas predições não forem refutadas na prática, então a nova teoria é corroborada (e a velha refutada), e é adotada como uma hipótese de trabalho. Se as predições forem refutadas pelas observações, então elas refutam (falsificam) a teoria a partir da qual foram derivadas. Portanto, Popper mantém um elemento do empirismo: para ele, o método científico realmente envolve um apelo à experiência. 

Diferentemente dos empíricos tradicionais, porém, Popper mantém que a experiência não determina a teoria (isto é, não argumentamos ou inferimos da observação empírica para a teoria), a experiência apenas a delimita; ela mostra que teorias são falsas, não que teorias são verdadeiras. Além disto, Popper rejeita a doutrina empírica que as observações empíricas são, ou devem ser, infalíveis, em vista do fato de que elas mesmas são baseadas em teoria. Não existiriam, assim, observações "puras" ou "neutras". Todas são seletivas, contaminadas por teorias formais ou informais, conscientes ou não, de como os fenômenos observados "devem ser". Experimentos e observações das neurociências parecem concordar com essas assertivas de Popper.

Atualização de Cultura, por Deolindo Amorim

Este lúcido texto do jornalista, escritor e conferencista espírita brasileiro,   Deolindo Amorim (1906 - 1984), publicado no Anuário Espír...