Antes, o que é livre-arbítrio? A palavra “arbítrio” denota julgamento, decisão. Sua junção com “livre” indica a capacidade de livre julgamento, livre decisão sobre o que fazer ou não nas várias circunstâncias da vida. Mas, temos de fato “livre-arbítrio”? Alguns filósofos e teólogos respeitáveis, ao longo da História (desde a Antiguidade), discordaram disto. Dentre eles, Espinosa, no séc. XVII, cuja obra influenciou significativamente seus contemporâneos, e algumas de suas idéias influenciam ainda hoje discussões filosóficas e até científicas (vide, p. ex., o livro “Em Busca de Espinosa”, do neurocientista Antônio Damásio, chefe do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa, professor do Instituto Salk de Estudos Biológicos, em La Jolla, Califórnia, e autor do premiado livro “O Mistério da Consciência”, entre outros).
O argumento destes filósofos e teólogos baseia-se em dois dos atributos de Deus: onisciência e onipotência. Um resumo deste argumento poderia ser: “se Deus é onisciente, deve ter presciência de nossas escolhas, e, se é onipotente, nossas ações devem ter sido determinadas junto com o restante da criação” (Filosofia / David Papineau, pp 63-67. São Paulo: Publifolha, 2009). Em outras palavras, a onisciência e a onipotência de Deus implica que tudo o que acorreu, ocorre e ocorrerá no Universo (e, portanto, conosco) está pré-determinado. Negar isto seria, para esses pensadores, negar que Deus tudo sabe e tudo pode. Portanto, não teríamos qualquer livre-arbítrio real, apenas uma ilusão de livre-arbítrio.
Este argumento contra o livre-arbítrio parece forte e logicamente consistente. Ao longo de História, muitos tentaram derrubá-lo. Há, por outro lado, várias fortes evidências de que temos um real, embora relativo, livre-arbítrio (veja-se, como exemplos neste sentido, os resultados de experimentos descritos em "O Cérebro, a Mente e as Experiências Transcedentes", neste blog). Além disso, os argumentos que assumem a natureza dual de mente e corpo são muito fortes e consistentes - como, p. ex., dentre os antigos, os de Aurélio Agostinho de Hipona (Sto. Agostinho) e Tomás de Aquino; dentre os primeiros modernos, Descartes (de uma geração anterior à Espinosa, faleceu quando este tinha cerca de 18 anos) e, posteriormente, Kant, com sua profunda argumentação que faz, na Crítica da Razão Pura, sobre a causalidade segundo as leis da natureza versus a causalidade pela liberdade. Entre os grandes filósofos contemporâneos (séc. XX), destacaria Karl R. Popper (1902-1994), um digno sucessor do racionalismo crítico kantiano, cujas reflexões tem fornecido importantes subsídios à metodologia científica. Uma outra linha de argumentação é a conhecida como compatibilista, porque, sem negar o determinismo (aqui não mais o teológico, mas o materialista), busca compatibilizá-lo com o livre-arbítrio. Exemplos desta linha são o filósofo inglês A. J. Ayer (1910 – 1989) e o americano Daniel Dennet.
A partir de meus estudos e da minha experiência de vida, cheguei a uma solução que é para mim satisfatória deste problema. Valho-me de parte da idéia do “elã vital” do filósofo Henri Bérgson (1859-1941): uma força que é inerente à Vida e que a leva a perseguir todas as soluções possíveis. Inspiro-me, além disto, na teoria matemática do caos, um importante campo de estudos que tem se desenvolvido desde os estudos pioneiros dos matemáticos e físicos Henry Poincaré e Jacques Hadamart e que, atualmente, tem tido importantes impactos na Física, na Ecologia e em outras Ciências, bem como na Filosofia. Esta teoria analisa sistemas complexos e dinâmicos e mostra como, em tais sistemas, pequenas mudanças iniciais podem levar a alterações imprevisíveis. Ou seja, a natureza determinística de tais sistemas não os torna previsíveis. Isto é conhecido popularmente entre os estudiosos deste campo como “efeito borboleta”. E me remeto também às bem embasadas extrapolações de eminentes cosmólogos sobre múltiplos universos, a partir de recentes teorias no campo da Física Quântica e da Gravidade (vide, p.ex., o artigo “As Origens Cósmicas da Seta do Tempo” do premiado pesquisador sênior em física do Califórnia Institute of Tecnology (Caltech), publicado na Scientific American Brasil, ano 6, no 74, pp 28-35).
Com base nas considerações acima, concluo e acredito (e busco fazer minha vida coerente com estas conclusões):
- Que nosso futuro não está predeterminado, mas que há inúmeros futuros possíveis para cada um de nós, num Universo de inumeráveis possibilidades, e que isto não nega a onisciência e a onipotência de Deus, mas as reafirma num nível mais alto.
- Que cada decisão que tomamos, pequena ou grande, contribui, em graus variados, para criar um futuro melhor ou pior para nós (do ponto de vista do Universo como um todo, o que muitas vezes não equivale ao nosso ponto de vista limitado como seres humanos em evolução).
- Que as conseqüências do que pensamos e fazemos revelam-se para nós apenas em parte de imediato, pois são como as ondas num lago que provocamos ao atirar uma pedra e que, ao encontrar determinados “obstáculos” próximos ou distantes, voltam como ecos ao ponto de partida, aumentadas, minimizadas, e/ou qualitativamente modificadas.
- Que essas conseqüências sempre têm uma lógica profunda, embora possamos não ter ainda condições de a entender completamente.
- Que essas conseqüências vêm sempre para nosso bem, porque a essência do Universo é de Amor, pois imaginar que Deus não ama infinitamente Sua Criação leva a uma contradição, um absurdo lógico.
- Que a idéia de termos apenas uma única existência na Terra é contraditório com o Amor Infinito de Deus por nós, com as possibilidades infinitas de evolução.
- Que a consciência disto tudo nos ajuda a suportar melhor as dificuldades, problemas e fracassos grandes e pequenos e aprender com eles, ao mesmo tempo em que nos dá uma perspectiva mais equilibrada perante os sucessos e conquistas.
- E que precisamos nos lembrar sempre destas coisas para não nos alienarmos da herança divina que, acredito, é intrínseca a nós e é muito mais do que o elã vital do Bérgson, mas significa a Luz Divina em nós, a qual vai se desvelando à medida que evoluímos.
- Que a prática do amor é a base desta evolução.
- Que tal prática significa aprender a amar o próximo como a nós mesmos, ou seja, aprender a nos amar de verdade, de maneira equilibrada e saudável (veja, neste sentido, 10 Atitudes para Criar Filhos Mais Felizes - 1a. atitude: Amor e Carinho, neste blog) e aprender a amar o próximo da mesma forma, num círculo virtuoso no qual nosso amor próprio equilibrado aumenta nossa capacidade de amar o próximo e este amor ao próximo, quando concretizado em pensamento e ação, repercute positivamente no nosso auto-amor (auto-estima) e assim por diante.
- Que este círculo virtuoso não é automático, mas demanda um esforço da vontade consciente para o iniciar, manter e desenvolver.
- E, finalmente, que isto é o uso do livre-arbítrio a nosso favor.
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