segunda-feira, 7 de março de 2011

Nossas Gestalts Abertas Inconscientes


       A sabedoria tradicional chinesa chama de “ch’i” a nossa energia vital. O ch’i circula por todo nosso ser – corpo e mente. Os meridianos da acupuntura mostram os caminhos dessa energia sutil e poderosa. Quando flui livremente, produz a saúde, que a OMS - Organização Mundial de Saúde define como “(...) o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Quando bloqueada no seu fluxo natural, pode provocar sensações de cansaço, estresse, dificuldade em tomar decisões, e transtornos físicos e mentais mais graves.

       Comentei, numa postagem anterior, sobre as gestalts abertas, aquilo que nos dispersa, diminuindo nossa energia e produtividade. E que, para as resolvermos, o primeiro passo é tomar consciência delas (como fechar as gestalts abertas). Quando se trata de fatos, tarefas e conflitos do nosso dia-a-dia, essa consciência é mais fácil.

       Contudo, há outro nível de gestalts abertas das quais, normalmente, não temos consciência e sobre as quais não comentei na postagem anterior. Estas gestalts abertas inconscientes, situações não resolvidas que aparentemente esquecemos, decorrem, muitas vezes, de traumas sofridos num passado recente ou distante e que, por serem muito doloridos, suprimimos da nossa consciência pelo mecanismo de defesa do ego chamado ”repressão”. Estas memórias traumáticas, como gestalts abertas, drenam a nossa energia vital – o chi. O esforço para as manter reprimidas, também consome energia. Elas funcionam, portanto, como um bloqueio ao livre fluxo do ch’i.

       Por exemplo, se nos deparamos com o que julgamos uma traição de alguém a quem estamos muito ligados emocionalmente – um familiar, um cônjuge, um amigo –, este fato pode ser muito traumático para nós. No momento mais dolorido do episódio, sofremos um estresse emocional. Neste momento, tendemos a tomar decisões como, por exemplo, “nunca mais vou confiar em alguém”. Quanto mais traumático para nós foi este momento, maior a energia que colocaremos nesta “decisão”. E isto poderá levá-la a ficar gravada em nosso inconsciente. E, é claro, maior será o nível de energia que sua repressão demandará.

       Estas “decisões” gravadas “a ferro e fogo” no nosso inconsciente, no calor dos acontecimentos e da dor causada pela situação traumática, podem depois ser “esquecidas”, ou seja, reprimidas. Contudo, permanecem ativas no nosso inconsciente, influenciando nossas percepções, emoções, pensamentos e ações. Isto é denominado “transtorno de estresse pós-traumático”, podendo se dissipar através de novas experiências de vida. Entretanto, em casos mais graves, quando o abalo emocional foi mais profundo, pode provocar uma alteração mais duradoura de personalidade e facilitar o surgimento de doenças físicas.

       No caso do exemplo da traição, podemos passar a ter dificuldades para confiar em pessoas que, inconscientemente, associamos àquela que nos traiu. Ou, dependendo da carga emocional que colocamos na nossa “decisão”, essa desconfiança pode até se estender às pessoas em geral.

       Semelhante a um “vírus” de computador, estas programações ocultas podem “travar” nosso sistema vital, nossas decisões e ações, ou torná-lo mais lento, dificultando pensamentos, decisões e ações que, de alguma forma, inconscientemente associamos ao fato traumático. Ou, ainda, podem nos levar a “perder dados”, isto é, a esquecermos de compromissos, pessoas e fatos. E estes “esquecimentos” freqüentemente causam problemas pessoais e profissionais.

      Como combater essas programações negativas? Há várias formas. Nos casos mais amenos, novas experiências, mais positivas, podem facilitar a modificação de tais programações. O fato de nos abrirmos a estas novas experiências pode apressar este processo de cura. É o caso, por exemplo, de alguém que, pela primeira vez, dá uma batida séria com o carro. Isto pode ser uma experiência traumática e provocar medo de guiar novamente. Uma maneira de superar isto é enfrentar a situação que o amedronta, como por exemplo, guiar em pequenos percursos e, à medida em que for recuperando sua segurança, aumentar gradativamente o percurso, até atingir o patamar anterior ao acidente. Porém, a resistência para voltar a dirigir, bem como a falta de prática, podem levá-lo a uma insegurança ainda maior, consolidando o medo e dificultando, cada vez mais, essa retomada.

       Em casos mais graves, porém, pode ser necessário o combate aos efeitos e às causas destas programações negativas. Os efeitos podem ser combatidos por medicação específica e as causas, por psicoterapia.

       Uma abordagem que tem mostrado bons resultados na reestruturação de memórias traumáticas é a que cria condições para que o paciente reviva, de forma catártica, os fatos traumáticos, trazendo-os à consciência, para então os elaborar.

       No exemplo da pessoa traída, o psicoterapeuta, por meio de técnicas apropriadas (relaxamento, hipnose, e/ou outras técnicas), leva a pessoa a reviver a situação em que presenciou ou tomou conhecimento da traição. Revivendo intensamente as emoções que o episódio lhe causou, bem como as sensações e pensamentos que teve, a pessoa revive a “decisão” que tomou na época (“nunca mais vou confiar em alguém”, no exemplo) e a carga emocional associada (exemplo: decepção, raiva, tristeza, solidão). A partir daí, com o auxílio do psicoterapeuta, ela tem condições de revê-la e tomar uma nova decisão mais saudável. Se esse processo for bem conduzido, a pessoa sentirá, ao fazer a “redecisão”, sensações de alívio, bem-estar, libertação. E a colocará em prática, em parte consciente e em parte inconscientemente, estabelecendo novos hábitos e padrões mais saudáveis de pensamento e ação.

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