terça-feira, 3 de maio de 2011

CRIVOS DA RAZÃO – Parte 6: A Falácia do Argumento Contra a Pessoa –1ª parte

Há tempos estava para escrever esta sequência da série “Crivos da Razão”, enfocando a falácia do argumento contra a pessoa. O que finalmente me fez decidir escrever foi quando me peguei usando este tipo de argumento num debate de idéias. Não usei este argumento de maneira ofensiva ou abusiva, mas na sua forma circunstancial. Mesmo que pudesse ser defensável o uso deste argumento no caso em que vivi, teria sido mais produtivo, para o debate e para o esclarecimento das idéias em discussão, se eu tivesse argumentado apenas contra as idéias da pessoa.
Recordo-me de quanto me incomodou, no passado, usarem este tipo de argumento contra mim: quando, ao invés de discutirem as idéias que eu estava apresentando, questionaram minha posição social, ou meu nível de experiência em relação à questão em debate, ou diplomas acadêmicos que tinha, ou ainda a falta de determinados diplomas etc. Lembrei-me, então, da regra de ouro*: “O que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles” (Mt 7:12) e de que, se eu não gosto de que usem este tipo de argumento contra mim, eu também não o deveria usar contra os outros. Esta postagem é um lembrete a mais neste sentido, em primeiro lugar para mim mesmo, mas também para todos que a lerem.
No desenvolvimento deste texto, usei como fonte principalmente philosophy.lander.edu, http://philosophy.lander.edu/logic/person.html. Outras referências que consultei são: Encyclopedia –Britannica Online Encyclopedia, http://www.britannica.com/EBchecked/topic/200836/fallacy/280529/Kinds-of-fallacies?anchor=ref1102381 e Stanford Encyclopedia of Philosophy, http://plato.stanford.edu/search/searcher.py?query=Argumentum+ad+Hominem.
I.  O “argumento contra a pessoa” (“argumentum ad hominem”, na sua denominação latina clássica, também chamado de “argumento ad personem) visa atacar o caráter ou a situação circunstancial em que uma pessoa se encontra. Pode ser persuasivo, às vezes, mas normalmente é falacioso.
Consiste em atacar o caráter da pessoa que fez uma afirmação ou apresentou um argumento, ou atacar as circunstâncias em que a pessoa se encontra, ao invés de tentar refutar a verdade da sua afirmação ou a solidez do seu argumento. À vezes, na sua forma mais crua, não passa de um ataque pessoal. É muito comum em debates políticos, religiosos, em tribunais, discussões familiares e outros. Alguns exemplos típicos: “o senhor não tem moral para nos acusar de corruptos porque sabemos que o senhor tem uma amante”, “As idéias de Michel Foucault devem ser desconsideradas porque Foucault era homossexual”; o depoimento da testemunha não deve ser levado em conta porque ela foi condenada por furto, no passado”; “seu argumento contra os métodos contraconceptivos no casamento não é válido porque você é solteira”, “quem você pensa que é para criticar as idéias do nosso dirigente? Você nem mesmo tem nível superior!”.
Esta falácia usa o recurso de “tornar pessoal” o debate de idéias. Baseia-se no pressuposto de que as afirmações ou idéias expressas pelo interlocutor devem ser desconsideradas em razão do seu caráter ou das circunstâncias nas quais se encontra no momento.
II. Tu Quosque [expressão latina que significa “você também”], ou a acusação de que o interlocutor “é exatamente como a pessoa” sobre quem ele está falando, é uma variação dessa falácia.  Tem sido comum na nossa política. Por exemplo, quando se acusa alguém no executivo ou legislativo, com base em fortes evidências, muito difíceis de negar, de desvio ou mal uso de dinheiro ou bens públicos, a defesa muitas vezes é uma variação de “pode ser que tenha havido este desvio, mas não começou na minha gestão (ou mandato), isto sempre se fez no Brasil”, “esquecendo-se” convenientemente de que foi eleito também por suas promessas de acabar com a corrupção...
Nas discussões familiares, o tu quosque é muito comum. Por exemplo, a mulher reclama que o marido deixou a toalha molhada em cima da cama e ele replica: “Mas você também, quando se arruma para sair, deixa um monte de seus vestidos em cima da cama”.
Em todos esses exemplos, o debate é desviado do problema que deveria ser resolvido, para a acusação pessoal contra o interlocutor ou terceiros. Perde-se o foco, acirram-se os ânimos, e os verdadeiros problemas ficam esquecidos...
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* Variações desta regra de ouro, expressão da ética da responsabilidade, aparecem em várias das grandes tradições religiosas e filosóficas antigas, desde a antiga Babilônia, no código de Hamurabi (ainda na sua forma bem primitiva); no Egito antigo, na Grécia antiga (com Pitactus, Thales, Pitágoras, Isócrates, Epicteto, Epicuro, Sócrates e Platão); na antiga China (Lao Tsé, Confúcio, Mozi e Laozi); no Induísmo; no Budismo; no Judaísmo; no Islamismo e, é claro, no Cristianismo - http://en.wikipedia.org/wiki/The_Golden_Rule.

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